quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Um dia quero ser...

Impressiona a forma e a dinâmica insensibilidade humana diante da própria vida. Porque raríssimos indivíduos presenciam seus momentos. A maioria está sempre adiante de lugar algum. Tornaram-se meliantes em si mesmos, evadindo-se do local.
Moribundos, em suas camas, dialogam com seus travesseiros implorando apenas mais uma chance de ser... Mas, um dia...
Seus pedidos são sempre tempo. Voltar no tempo. Aumentar o tempo. Correr contra o tempo.
No calendário pregado na porta da cozinha, data um médico, uma lua cheia, saldões de dezoito vezes sem juros. Sinaliza um encontro, uma festa, um show. Um velório. Talvez até o enterro da vontade própria.
Um dia se quer ser gente com dinheiro no bolso. Um dia ser quer ser dono de carro na garagem. Um dia se quer ser livre para viajar pelo país. Um dia se quer ser chefe de família. Um dia se quer ser... Mas um dia ainda se quer ser... Tantas coisas. Tantas especialidades.
Só não se quer ser sujeito cheio de subjetividades.
Levei muitos anos de uma vida que acreditava ser inteira, que talvez não seja nem a metade, ou esteja próxima do fim, para descobrir que um dia quero ser um conjunto de idades acumuladas dos eus que sou em todos os agora. Pois é onde todos os meus sentidos se manifestam através de um corpo que é cego, surdo, mudo e insensível.

Um comentário:

rai disse...

belissimo texto,bravoooooooooo!