Adultos têm uma mania engraçada de ficarem recordando a infância, as sapequices do tempo de escola, as revoltas da juventude, a mocidade do primeiro emprego e as várias dificuldades da vida que os faz cansar antes mesmo da velhice chegar.
Só lembro esses detalhes, quando alguém reclama das possibilidades frustradas, da saudade dos brinquedos e da vontade de tornar-se novamente pequeno.
Particularmente, prefiro ficar com as imagens dos homens que passaram pelas manhãs e tantos outros tempos de minha expressão feminina obrigatória. Pois, que, nasci nesse corpo e apesar do esforço, não tenho em mente o momento dessa escolha, às vezes pensando que o livre arbítrio passou a existir sei lá quantos depois de mim.
As figuras masculinas são as mais marcantes. Tudo começou com meu pai. Que me fez sentir medo de pedir colo. Depois meus tios, que eram muito extrovertidos e brincalhões.
Tinha também, o filho da vizinha. Como eu adorava trocar a companhia das bonecas e da minha irmã pelos carrinhos e tantas outras bugigangas de menino que ele ganhava dos pais. E quando restava obedecer a ordem da mãe de brincar com a mais nova da família, as bonecas não tinham casa, não tinham onde dormir, nem banheiro, ou guarda-roupas, mas tudo se transformava em escola, banco, ou qualquer coisa que os blocos de papéis, as cartas do baralho e as fichas da roleta pudessem ser aproveitados. Nesses instantes, batia aquela consciência, de que algo estava errado. Tinha praticamente certeza de que era tudo neurose, dela.
Então, vieram os tempos de escola e eu odiava os meninos. Porque eles colocavam apelidos. Me xingavam sem ao menos me conhecer. Já que não podia deixar de usar óculos, eu fechava a mão direita e com toda minha força, eu lhes socava os ossos, parando quando... quando algo dizia que devia parar. Esses foram os primeiros anos. Quantas broncas levei até entender que não devia prestar atenção. Mas quando fere o ego, o impulso fala mais alto.
Nos anos seguintes, que raiva eu tinha das meninas. Faziam tanta fofoca e deixavam de ser amigas por coisas bobas. Inclusive, fui intimada por uma, no pátio da escola, sem saber o motivo.
Eram tão vazias, tão metidas e exibidas... Divertido mesmo, eram os meninos. Eram como os irmãos que sempre quis ter, mas meu pai não deu sorte em fazer.
Claro que eles não tinham essa noção, porque era tudo fruto da minha imaginação. Tudo bem que alguns chegaram a ser mais do que isso nos contos de fada que fazem morada num canto do coração. Mas eles nunca ficaram sabendo.
Sem esquecer dos rapazes e homens que com intenção ou não, transformaram minha inocência em um espaço incolor. Dos colegas de trabalho, certos ou imperfeitos, que me fizeram aceitar que não é sem razão o fato de eu ter nascido mulher. De tantas outras fontes mais ou menos machistas que me colocaram espinhos nos olhos e me fizer ver apesar de tudo que me pudesse turvar o olhar.
Coincidência, ou não. Destino ou superstição. Segredo ou razão. Pedido, ou não. Todas as recordações, todas as mudanças, aprendizados ou emoções, remetem a homens mais velhos. Me fazendo refletir sobre o papel de um irmão mais velho. Em quantas pessoas eu o encontrei e continuo encontrando. Só recebem nomes diferentes. Marido, namorado, colega, amigo. No fim das contas, foram e são todos, cada qual com sua parcela de culpa e contribuição, o irmão mais velho que nunca tive, por parte de pai e mãe.
2 comentários:
hehehe, nem tudo é perfeito
parabens otimo poema maravilhoso
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